quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Os enganos da percepção – parte II: a posição cartesiana


Em nosso último post, visualizamos as incríveis imagens de obras do artista plástico Victor Molev, as quais mexem com nossa capacidade de percepção e suscitam a eterna dualidade¹ filosófica: razão x percepção sensível.
Como vimos, o filósofo racionalista René Descartes, no século XVI, sustentou que os sentidos seriam uma fonte de engano, o que se mostra plausível quando visualizamos as obras de Molev, cujas imagens misturam-se, revelando formas impensadas: pura ilusão de ótica.
Em razão disso, para os autores defensores do racionalismo, o conhecimento da realidade deveria se dar a partir de uma consciência pura - ou seja, uma consciência não afetada pelas percepções falaciosas da sensibilidade -, a partir da qual, utilizando-se da Metafísica, da Lógica e da Matemática, seria possível chegar à verdade.
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Legenda: Olhando a imagem, como não acreditar que se trata de um buraco gigantesco na calçada? Por Stefan Leijon. Creative Commons. Atribuição CC BY-ND 2.0.
Descartes, na obra Meditações metafísicas (de 1641), coloca em xeque todo o conhecimento que julga ter obtido por meio dos sentidos e passa a buscar mentalmente, mediante exercícios de conceituação e reflexão, os fundamentos de suas crenças. Com isso, ele propõe que todos os princípios (teorias) que tentem explicar a realidade devem ser obtidos por meio de deduções.



É possível confiar em nossa RAZÃO? e em nossos SENTIDOS? Como podemos não nos enganar?


Um raciocínio dedutivo é aquele que, a partir de um cenário geral, tenta estabelecer um princípio ou teoria particular. Por exemplo: Todas as fêmeas mamíferas possuem seios, pelos quais alimentam seus filhotes.
Contudo, seria esse tipo de observação, baseada apenas na nossa experiência dos mamíferos com os quais estamos familiarizados, suficiente para assegurar-nos de que de fato todos são assim? As fêmeas de ornitorrincos não possuem mamas, mas alimentam seus filhotes com o leite que produzem, o que é suficiente para considerá-los mamíferos.
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Legenda: O Ornithorhynchus anatinus, cujo nome significa “com bico de ave semelhante a pato”, parece-se muito com uma ave. Contudo, ele é um mamífero. Os filhotes alimentam-se do leite, lambendo-o diretamente dos poros e sulcos abdominais das fêmeas.
Isso demonstra que aquele princípio de que todas as fêmeas mamíferas apresentam seios não se verificaria, ou seja, não seria verdadeiro sob quaisquer circunstâncias.
Em razão disso, o racionalismo sustenta que só se pode ter certeza de conhecimentos cujas proposições são deduzidas de forma a priori, ou seja, de conhecimentos que não vêm da experiência e são elaborados somente com base em deduções racionais. Assim, tal vertente filosófica tem por objetivo a certeza das proposições deduzidas, por meio de demonstração lógica, matemática ou conceitual.
As figuras geométricas têm esse caráter. Segundo os racionalistas, a Geometria seria uma espécie de conhecimento cujos fundamentos e princípios seriam puramente matemáticos, ou seja, completamente desvinculados de qualquer relação com a experiência sensível. Seriam, portanto, um conhecimento a priori.
Por exemplo, o que é um triângulo e por que a soma de seus ângulos internos de tem de dar 180º?
A demonstração desse tipo de questão é puramente geométrica: o triângulo consiste na união de três pontos não colineares - pertencentes a um mesmo plano, mas situados em diferentes posições -, sendo formado por segmentos de retas concorrentes.
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Observando a imagem acima, vemos um triângulo equilátero traçado com linhas pretas, entre duas retas paralelas vermelhas. O equilátero, quando dividido ao meio, forma os triângulos retângulos 1 e 2. Como podemos observar, os ângulos d e g no ponto C são equivalentes aos ângulos no mesmo ponto. Além disso, esses quatro ângulos, juntos, formam um semicírculo, ou seja, a soma dos ângulos a, b, d e g, no ponto C, resulta em 180º. Como os ângulos externos dos triângulos 1 e 2 são equivalentes aos seus ângulos internos, consequentemente a soma interna de seus ângulos também tem de ser equivalente a 180º.
Essa é, portanto, uma demonstração geométrica do motivo pelo qual o triângulo tem essa configuração. Seja qual for o seu tipo - se triângulo retângulo, equilátero ou isósceles - a soma de seus ângulos internos tem de dar 180º. Caso contrário, não se tem essa figura geométrica.
Por Jaqueline Santos
Referências
ARANHA, Maria Lúcia. Filosofando. 2. ed. (rev. Atual). São Paulo: Moderna, 1993.
BBC BRASIL. Americano cria arte em 3D nas ruas de todo o mundo.Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2011.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.