sexta-feira, 13 de abril de 2012

Os enganos da percepção – parte V: a fenomenologia (continuação)


Vimos, em nossos últimos posts, que a fenomenologia é a vertente filosófica que tem a pretensão de solucionar a dualidade estabelecida entre racionalismo e empirismo, ou seja, entre consciência e mundo objetivo. Para os fenomenólogos, não existiria uma realidade em si, diferente da que se percebe, como defendem os empiristas, tampouco uma consciência pura, capaz de conhecer por meio de abstrações, tal qual afirmavam os racionalistas. Toda consciência que se tem é a consciência de algo, ou seja, consiste na representação mental que temos de nosso corpo, das outras pessoas e das coisas à nossa volta.
Edmund Husserl, um dos precursores dessa linha filosófica, sustentava que a “realidade” ou o “mundo” não seriam um conjunto ou um sistema de coisas, pessoas, animais e vegetais, mas, sim, um conjunto de significados que a nossa razão produz. Entretanto, como, então, salvar a objetividade da Ciência, se a realidade existe “pela consciência e para a consciência”?
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Legenda: Edmund Husserl (1859-1938), matemático e filósofo alemão conhecido como o fundador da Fenomenologia. Imagem por ENCICLOPÉDIA DELTA.
Para Husserl, esses significados ou significações mediante as quais nossa razão ou consciência organiza o mundo não são pessoais, condicionadas pelo hábito, como sugeriu o empirismo, ou sociais, tal como imaginaram inúmeros outros autores e sociólogos, mas universais e necessárias. Como assim? Como seria possível a realidade ter sentido somente por meio da consciência e, ainda assim, apresentar objetividade?
A fenomenologia sustenta que, embora a razão seja subjetiva, ela entende o mundo como racionalidade objetiva. Ou seja, quando buscamos conhecer algo, não nos indagamos acerca da particularidade daquela ocorrência, mas procuramos a essência dela, independentemente de nossas experiências psicológicas pessoais. Isso significa que a forma como o empirismo e o racionalismo entendiam a construção do conhecimento estava errada: não devemos questionar por que sentimos calor ao tocar o fogo e frio ao tocar o gelo, pois isso diz respeito à percepção pessoal dessas sensações e não remete a uma relação necessária. Mas se nos perguntamos o que é o frio e o que é o calor, compreendemos a sua essência, seu significado, e, assim, sabemos em que condição pode-se sentir frio ou calor, independentemente do sujeito que é afetado pela sensação.
Contudo, o significado ou o sentido desses fenômenos é atribuído pela razão, por meio da reflexão e de outros processos mentais. Nesses termos, a razão, ou a consciência, ofereceria a si mesma os conteúdos para dar uma significação à realidade, organizando-a e sistematizando-a. É segundo esse entendimento, portanto, que a fenomenologia difere do racionalismo e do empirismo: do primeiro, porque toda a consciência diz respeito a um conteúdo que constitui e organiza a realidade; e do segundo, porque essa realidade só existe na medida em que o sujeito atribui-lhe sentido.
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Legenda: Para os empiristas, o nosso contato como fogo nos dá a ideia de calor. Contudo, para o filósofo David Hume, essa ideia estaria pautada apenas no hábito dessa sensação, não sendo necessária, portanto. A fenomenologia discorda dessa posição. Creative Commons. Atribuição CC By 2.0.
Segundo os fenomenólogos, a consciência realiza os atos de perceber, lembrar, imaginar, falar, refletir, pensar, visando a conteúdos ou significações. Conhecemos na medida em que refletimos sobre as relações entre atos e significações e compreendemos a estrutura por eles formada - que envolve a percepção, a imaginação, a memória, a linguagem, o pensamento.
Em nosso próximo post, veremos uma das aplicações da fenomenologia: a psicologia da forma, ou Gestalt. Até lá!